Cisticercose Bovina: Veja como o produtor pode ter até 90% de penalização no valor da carcaça

Decreto nº 10.468 e por que tão polêmico?

              Com o decreto Decreto nº 10.468, o Ministério da Agricultura Pecúaria e Abastecimento (MAPA) terá uma posição mais rigorosa com relação a cisticercose bovina, assim que se findar a prorrogação da IN 121/2021. O decreto causa muita polêmica e insatisfação da parte dos pecuaristas em relação aos frigoríficos. Neste artigo, vamos abordar os principais fatores que podem causar essa insatisfação e o porquê a indústria terá sim que penalizar os pecuaristas que enviarem carcaças com cisticercose, mesmo sendo calcificada.

Cisticercose cisto vivo

 Ciclo e contaminação


             A cisticercose bovina é uma zoonose comumente diagnosticada na indústria frigorífica que leva a condenação de carcaças, causa prejuízos e limita a exportação da carne ao diminuir o prestígio do produto e seu valor comercial (Rossi et al. 2014). 


             Para entender sua origem e formas de mitigação, primeiro deve-se entender seu ciclo. A doença se relaciona com a Teniase, que também é causada pela Taenia, em fases diferentes do seu ciclo de vida. A cisticercose é a presença da forma larvária nos tecidos de suínos, bovinos ou do homem (FNS, 2017). Enquanto na Teniase é provocada pela presença da fase adulta no intestino delgado de humanos. 

Ciclo do Complexo Teniase- Cisticecose

                 O ciclo biológico dessa enfermidade se dá em duas fases: Humana e Animal. Na fase humana, Teníase, a Taenia adulta libera ovos no ambiente através das fezes humanas, podendo ser viáveis por 12 meses nas pastagens e 20 dias em água de esgoto (Mello e Marques, 2019). Ao engerir pastagens ou água contaminada com ovos, o bovino desenvolverá cisticercose nos músculos (carne) e orgãos que ao ser consumido pelo homem, este desenvolverá a Teniase novamente, fechando o ciclo.


               O homem é hospedeiro definitivo da sua forma adulta, que adquire a tênia ao ingerir carne contaminada crua ou mal cozida contendo cisticercos (GEMMELL et al., 1983). A teníase pode se apresentar de forma assintomática, porém alguns pacientes manifestam sintomas como:

                  As tênias podem viver muitos anos no intestino delgado do homem. No caso de T. solium, podem ser eliminadas de três a seis proglotes diariamente. Cada proglote contém uma média de 30.000 a 50.000 ovos. A inspeção sanitária de produtos de origem animal é de fundamental importância para impedir a permanência e conclusão do ciclo teníase-cisticercose (Cripriano et al., 2015).


                 A ocorrência de cisticercose aumenta pela falta de tratamento dos esgotos urbanos, os quais poluem os mananciais que irão abastecer os animais e até o próprio homem. A falta de fossas ou coleta de esgoto em algumas áreas favorece a contaminação ambiental, sendo comuns os casos em que os animais acabam ingerindo involuntariamente fezes humanas (SANTOS; BARROS, 2009). 


Mas então. Como controlar? 


                    O controle da cisticercose bovina se baseia em medidas higiênico sanitárias que interrompam o ciclo do parasita e impeçam que bovinos ingiram ovos do verme. Desta forma para a prevenção da doença é necessário que haja a conscientização dos funcionários e que sejam realizadas algumas ações dentro da propriedade rural para mitigar a propagação da doença, entre elas podemos citar (FAMASUL; SENAR, 2021):

 

  • Oferecimento de boas condições de higiene pessoal para os funcionários, como banheiros com fossas sépticas para evitar a contaminação das pastagens; 
  • Realizar o tratamento antiparasitários dos funcionários semestralmente; 
  • Montar um calendário sanitário onde seja incluso a vermifugação para os animais da propriedade sobre orientação de um médico veterinário; 
  • Impedir o acesso dos animais a locais que recebam fluidos de esgoto humano e algum tratamento antiparasitário dos funcionários; 
  • Realizar a limpeza e desinfecção periódica dos bebedouros para que os animais recebam água de qualidade (MONTEIRO,2010); 


Legislação e IN 121/2021


              Em bovinos, o diagnóstico da cisticercose se dá em frigoríficos, durante a inspeção post mortem das carcaças. Podendo ser encontrados cisticercos viáveis ou calcificados. Um único cisticerco calcificado, no conjunto de órgãos, vísceras e carcaças submetidos ao exame de rotina de inspeção, considera-se infecção leve (Rodrigues, 1993). 

          O processo de calcificação se dá quando o cisto morre (Rossi, et al. 2014), podendo vir da resposta imune dos bovinos ao tentar eliminar a entidade patógena e leva em torno de 50 dias após a instalação muscular. 

Cisticercose bovina

A inspeção é feita através de incisões em áreas em que o cisticerco tem predileção como como coração, músculos da mastigação, língua, diafragma e seus pilares e massas musculares da carcaça. (Toledo et al., 2018) 

A carcaça será considerada por infecção intensa, se encontrados, pelo menos, oito cistos viáveis ou calcificados, assim distribuídos: 

I – quatro ou mais cistos em locais de eleição examinados na linha de inspeção (músculos da mastigação, língua, coração, diafragma e seus pilares, esôfago e fígado); 

II – quatro ou mais cistos localizados no quarto dianteiro (músculos do pescoço, do peito e da paleta) ou no quarto traseiro (músculos do coxão, da alcatra e do lombo), após pesquisa no DIF, mediante incisões múltiplas e profundas. 

Segundo o artigo 185 do Decreto Nº 10.468, de 18 de Agosto de 2020, As carcaças com infecção intensa por Cysticercus bovis (cisticercose bovina) devem ser condenadas. 

O destino das carcaças segundo ART. 185 do Decreto 9.013, de 29 de março de 2017 alterado pelo decreto Nº 10.468, de 18 de agosto de 2020 fica o seguinte: 


  • § 2º Nas infecções leves ou moderadas, caracterizadas pela detecção de cistos viáveis ou calcificados em quantidades que não caracterizem a infecção intensa, considerada a pesquisa em todos os locais de eleição examinados na linha de inspeção e na carcaça correspondente, esta deve ser destinada ao tratamento condicional pelo frio ou pelo calor, após remoção e condenação das áreas atingidas. 
  • 5º O diafragma e seus pilares, o esôfago e o fígado, bem como outras partes passíveis de infecção, devem receber o mesmo destino dado à carcaça. 
  • 6º Os procedimentos para pesquisa de cisticercos nos locais de eleição examinados rotineiramente devem atender ao disposto nas normas complementares. 


Pelas regras anteriores ao decreto, Decreto nº 10.468 se fossem achados poucos cisticercos mortos (uma espécie de bolsa onde se desenvolve a larva da tênia) o pedaço da carne era retirado e a carcaça estaria liberada. Pela nova regra, se for encontrado apenas um cisticerco morto, toda a carcaça deve ir para um tratamento térmico. Esse procedimento, além de ser custeado pelo produtor, pode derrubar pela metade o preço da arroba da carcaça. 


Quantidade de cistos Estado Destino
1 a 8 Calcificados ou Viáveis Remoção da área do cisticerco + Destinação da carcaça para o tratamento pelo frio ou pelo calor
+8 Calcificados ou viáveis Condenação e destinação de toda a carcaça para a graxaria

                Para que os frigoríficos fizessem as adequações necessárias para por em vigor as alterações do decreto 9.013 feitas pelo decreto Nº 10.468, uma Instrução normativa, Nº 121, de 26 de fevereiro de 2021 – SDA/MAPA estabeleceu prazo de 18 meses, entrando em vigor no dia 02 de setembro de 2022, e logo após o MAPA seguiu um comunicado permitindo a abrangência de mais 60 dias, ou seja, 20 meses para adequação dos estabelecimentos. 


               A IN também abrandou as penalizações em relação aos cistos encontrados na carcaça: 


Art. 2º Durante o período estabelecido no art. 1º desta Instrução Normativa, o julgamento para infeções leves ou moderadas por Cysticercus bovis(cisticercose bovina) deve ser: 


I – quando for encontrado um cisto viável, considerando a pesquisa em todos os locais de eleição examinados na linha de inspeção e na carcaça correspondente, esta deve ser destinada ao tratamento condicional pelo frio ou pela salga, após a remoção e a condenação da área atingida. 


II – quando for encontrado um único cisto já calcificado, considerando, todos os locais de eleição examinados, rotineiramente, na linha de inspeção e na carcaça correspondente, esta pode ser destinada ao consumo humano direto sem restrições, após a remoção e a condenação da área atingida. 


Parágrafo único. Quando forem encontrados mais de um cisto, viável ou calcificado, e menos do que o fixado para infecção intensa, considerando a pesquisa em todos os locais de eleição examinados na linha de inspeção e na carcaça correspondente, esta deve ser destinada ao aproveitamento condicional pelo uso do calor, após remoção e condenação das áreas atingidas. 


Instrução normativa, Nº 121, de 26 de fevereiro de 2021 – SDA/MAPA, findou-se no início do mês de setembro de 2022, sendo prorrogado para mais 60 dias desde seu término. 


As penalizações monetárias variam de acordo com cada estabelecimento frigorífico, sendo para tratamento a frio de 30 a 50% no valor da @ e 50 a 90%, para o tratamento por calor. A destinação da carcaça para a graxaria, penaliza em 100% o valor da @. 


Apesar do cisto calcificado (morto), não ser considerado patógeno por não ser capaz de desenvolver a teníase, estudos indicam que é possível observar tanto cisticercos vivos como mortos numa mesma carcaça (Rossi et al. 2014). Podendo justificar assim a maior rigorosidade das inspeções. Veja o texto publicado pela CNA em forma de comunicado técnico: 


A referida mudança foi realizada diante da necessidade de dar garantias da destruição do Cysticercus bovis, garantindo que o consumidor não seja acometido pela enfermidade, prezando pelos cuidados para a saúde pública.  A alteração foi resultado de novas publicações científicas que comprovaram o risco à saúde pública, além de equiparar a legislação nacional à internacional, como as dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Canadá, do Chile, da Argentina e da União Europeia. Além disso, as novas recomendações estão alinhadas com o preconizado pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO). 

 O antigo critério de julgamento vinha sendo questionado por órgãos de controle (CGU e TCU) como inadequado, pois apresentava regras de saúde pública mais rigorosas quando o produto era destinado para a exportação do que quando comparado como os destinados ao mercado nacional.” 


CONCLUSÃO PECBR

 

Mesmo antes das alterações feitas pelo Decreto, a PECBR tem trabalhado para amenizar essas perdas e mensurando desde 2015 as carcaças com cisticercose calcificada durante o abate, para que assim, o pecuarista tenha ciência da incidência da doença em sua propriedade.

 

Com esta nova regra, todas as inspeções (SIM, SIE , SISBI e SIF) terão que aumentar o rigor com a destinação de carcaças identificadas com cisticercose, o pecuarista deverá se planejar ainda mais no controle/mitigação da doença e deverão ser ainda mais rigorosos com seus funcionários para que não sofra com as penalizações da carcaça. Essas medidas vão de encontro com a importância de se adotar boas práticas de produção na fazenda.  


Referências 



Rossi, Gabriel A. M.; et al. Situação da cisticercose bovina no Brasil. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 35, n. 2, p. 927-938, mar./abr. 2014 


Toledo, Rômulo C. C. et al. COMPLEXO TENÍASE/ CISTICERCOSE: UMA REVISÃO Higiene Alimentar - Vol.32 - nº 282/283 - Julho/Agosto de 2018 


Rodrigues, Lauro V. C. INSPEÇÃO SANITÁRIA E CRITÉRIO DE JULGAMENTO DA CISTICERCOSE BOVINA CALCIFICADA. INFECÇÃO LEVE - Cienc. Rural 23 (3) - Dez 1993   


Mello, I; Marques, L. Como reduzir os prejuízos com a cisticercose bovina. Ourofino - Saúde Animal, 2019. 

 

Cipriano, Raoni C.; et al. Prevalência de cisticercose bovina nos abatedouros com inspeção sanitária estadual no estado do Espírito Santo, Brasil. R. bras. Ci. Vet., v. 22, n. 1, p. 54-57, jan./mar. 2015 


GEMMELL, M., MATYAS, Z., PAWLOWSKI, Z. et al (Ed.). Guidelines for surveillance prevention and control of taeniasis/ cysticercosis Geneva : World Health Organization, 1983. 207p. 


CARRADA-BRAVO, T. Teniasis-cisticercosis como problema de salud pública. Bol Med Hosp Infant Mex,v.44, n.7, p.427-434, 1987. 


HUGGINS, D. Teníases. Pediatr Moderna, v.24, n.6, p.251-256, 1989. 


FAMASUL; SENAR. Orientações – Cisticercose Bovina. 2021. Disponível em: https://senarms.org.br/sites/default/files/programa/Informativo%20Complexo%20Ten%C3%ADase-Cisticercose%20_2021_0.pdf. Acesso em: 22 de jul. 2022.


Alteração de tratamento das carcaças com achados de cisticercose bovina - Comunicado Técnico Edição 28/2020 | 05 de Outubro 


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